sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018
Poema em linha reta: Fernando, uma pessoa singular falando no plural, e a rede social digital
O vídeo acima Poema em linha reta, declamado pelo ator Osmar Prado, foi indicação via Facebook do professor Alexandre Viaro, educador de Porto Alegre (RS), Brasil, que em seu perfil no Twitter, assim escreveu: "E pensar que Pessoa escreveu Poema em Linha Reta sem conhecer redes sociais".
O comentário do prof. Viaro é uma grande provocação filosófica, histórica e literária, pois podemos trabalhar com este poema, tanto na forma impressa como declamada, e promover uma reflexão no alunado sob estas três perspectivas: da Filosofia, da História e da Literatura, entre outras mais (sociologia, antropologia, cultura etc). Pensar o texto artístico em paralelo com seu contexto histórico, ambos em relação ao ato de filosofar sobre a condição humana.
A rede social digital, muitas vezes é singular pela cultura do selfie (do Narciso digital diante de sua tela como espelho de si mesmo e nem tanto janela para o mundo), da auto exposição exagerada da vida particular, mas é também plural, quando permite que as descobertas de um possam ser compartilhadas com todos os integrantes dessa rede de informações que gere conhecimento mútuo.
Mas sempre é bom lembrar que o espelho, espelho meu só mostra aquilo que se deseja ver e daí que se forma o que especialistas chama de "efeito bolha", de pessoas só seguirem quem pensa como ela, de bloquear o pensamento DIVERGENTE e INSURGENTE, pouco CONVERGENTE. Uma trilogia social de difícil reunião nos atuais perfis, avatares e outras entidades que habitam as redes sociais digitais. A própria identidade é algo complexo em tempos de bits e bytes, já que nem sempre a foto, o IP da máquina e o CPF do usuário refletem a mesma face. Ai, já me remete ao Poema de sete faces, de Carlos Drummond e Andrade, que assim inicia: "Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida". Vejam o vídeo ao final desta postagem. :-)
Como bem destaca Felipe Araújo, em texto no portal INFOESCOLA: "Poema em Linha Reta é uma obra de Fernando Pessoa sob o heterônimo de Álvaro de Campos. Os versos fazem uma crítica à hipocrisia. De forma irônica, o poeta demonstra uma percepção aguçada das mazelas de sua época, escondidas por trás das representações das pessoas na sociedade, que escondem suas falhas e apenas expõe seus êxitos".
Poema em linha reta é uma construção poética do início do século XX, quando evidentemente não existiam as redes sociais digitais que são bem mais recentes (as maiores, como Facebook (2004) e Twitter (2006) possuem pouco mais de uma década de existência). Porém, ao tempo de Fernando pessoa e seus heterônimos existiam as redes sociais de amigos, colegas, vizinhos, familiares e ilustres desconhecidos que alimentaram o imaginário desta Poeta singular sempre escrevendo no plural. A sociedade sempre foi uma das fontes de inspiração dos poetas. E os grandes poetas sempre criticaram justamente a hipocrisia reinante nas sociedades, seja lá em Cervantes e seu Quixote, em Victor Hugo e o seu Os miseráveis, em Stendhal e seu O vermelho e o negro, Dostoiévski e o seu Crime e castigo, em Franz Kafka e o seu A metamorfose, e tantos outros clássicos da literatura mundial.
A arte é justamente essa forma de ver o mundo além do real - a chamada ilusão do real - que promove no leitor/espectador uma reflexão sobre o seu cotidiano e sobre as grandes questões universais e atemporais da humanidade.
Abaixo outra versão de Poema em linha reta, na interpretação do falecido ator Antonio Abujamra:
Para quem desejar utilizar o poema completo em sua versão digital, recomendo visita ao link abaixo:
POEMA EM LINHA RETA - FERNANDO PESSOA - RELEITURAS
Como citado no início da postagem, segue o belíssimo Poema das sete faces, de Drummond:
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