domingo, 12 de abril de 2020
Imaginação e Realidade: a metáfora da construção de sentido dentro do processo educacional e social
O vídeo acima No One Ever Gave Us The Right (Ninguém nunca nos deu o direito)... a sonhar?, digo eu, trata-se de belíssimo videoclipe da banda Marble Sounds (Sons de Mármore) que serve para mim como uma pequena metáfora da educação.
Nessa narrativa visual, mediada por versos e música, é possível ver mãe e filha numa viagem que bem poderia ser também de professora e aluna, cada uma em seu lugar: a mãe/professora na frente e a filha/aluna atrás. A primeira, como protagonistas, conduzindo o carro e o processo de ensino-aprendizagem de forma tradicional e a segunda, como coadjuvante, como receptor de um método expositivo que poderia ser numa sala de aula convencional. Um condutor e outro passageiro. Mas no meio do caminho, como diria o poeta Drummond, tinha mais que uma pedra... Eis que surge algo inusitado que transforma a própria narrativa.
Eis que na primeira parada aparece um amigo imaginário para brincar com a menina. Mais adiante, noutra parada, ocorre a interação, quando a jovem segue aquele amigo até à beira da praia deserta.
Decerto, deserto somos nós, quando não damos vida à nossa imaginação. Quando esquecemos diante do mar, de amar à própria natureza, à vida e ao mundo em que vivemos. Quando olhamos para o mar e só vemos uma imagem única sem sentido simbólico e metafórico. Algo que me remeteu neste clipe, imediatamente a passagem de O LIVRO DOS ABRAÇOS, de Eduardo Galeano, no microconto (imagem abaixo), intitulado A FUNÇÃO DA ARTE/1:
A comovente história de um pai que leva o filho a conhecer o mar e este, diante de algo que jamais tinha visto, pede que o pai lhe ensine a olhar é, de certa forma, a própria metáfora da Educação, do ato de aprender a ver e de alguém ajudar (o professor) a enxergar às coisas ao redor, que sempre estiveram ali, mas eram apelas vistas mas não percebidas em toda sua profundidade, seja em artes, literatura, filosofia, física, química, biologia, geografia etc. O bom professor é aquele que ensina ao aluno uma cartografia sentimental, a partir de sua topografia cultural. Esse mapeamento mental é depois feito entre ambos: o bom professor e sua turma. Essa bagagem de vivências que o educador tem, seja ele professor ou pai, deve ser incorporada ao seu cotidiano, quando das interações que surgirem, pois nossa vida é intertextual, construída pelas diálogos que fazemos entre o eu do passado com o eu do presente também.
O texto de Galeano, de O Livro dos Abraços, dialoga com esse fragmento de Machado de Assis, em Memorial de Aires: "[...] não é mau afastar-se da praia com os olhos na gente que fica". Apesar de escrito noutro contexto e século, este excerto de Machado complementa o microconto de Galeano, escrito bem depois, e ambos dialogam com o professor que utiliza-se da POÉTICA DO OLHAR, DO AFETO, DAS DESCOBERTAS E DA IMAGINAÇÃO em seu fazer pedagógico. Esse afastar-se da praia de Machado, comparo com o distanciamento que o aluno, após concluir seus estudos, terá dos professores e escola que ajudou em sua formação. É um movimento natural em busca de novas formações. Porém, "os olhos na gente que fica" é essa memória que permanece, dos bons professores que nos ensinaram a enxergar as coisas com outro olhar: imaginativo, crítico, emancipador...
Para complementar essa postagem intertextual, trago outra voz para essa roda de conversas comigo. A de Alberto Manguel, em "No Bosque do Espelho", quando escreve: "As crianças sabem o que a maioria dos adultos esqueceu: que realidade é qualquer coisa que pareça real para nós".
De fato, algo que tem muito do conceito de REALIDADES IMAGINÁRIAS, que Yuval Noah Harari (Sapiens, Homo Deus) comenta: sobre que somos seres imaginários e que nossa sociedade é construída com base na imaginação, quando convencionamos que um pedaço de papel tem valor pra compra casa, carro etc.; quando idealizamos crenças; quando imaginamos além de nosso tempo ideias que a ficção pensou primeiro e que a ciência colocará em prática no futuro, graças ao avanço das tecnologias.
Quando, voltando ao videoclipe em questão, a mãe vê, inicialmente a menina dançando sozinha na praia, é o olhar prático e cético do adulto; quando ela consegue se deixar levar pela imaginação da criança, nesse caso, há o contrário da história de Galeano: é a criança que ensina ao adulto a olhar diante do mar.
Na verdade, em que tange o processo educacional, ambos devem se contagiar, inspirar um ao outro. O professor trazendo sua bagagem de vida, e o aluno mantendo sua imaginação fértil, apesar de certos processo, inclusive, de ensino-aprendizagem que inmpedem de dar vazão ao seu talento, conhecimento e imaginação.
O papel de todo educador, seja pai ou professor é auxiliar o filho/aluno, diante do mar-oceano de informações, no ciberespaço ou na sala de aula, a ver e enxergar além do básico, do trivial. Dar vazão a esse rio da imaginação rumo ao mar do Conhecimento, sim. Simbólico? Metafórico? Filosófico? Sim! Sim! Sim!
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