quarta-feira, 22 de julho de 2020
O Mais Desconhecido: documentário épico reunindo 9 cientistas, cada um explicando ao outro sua área de uma forma poética e filosófica
O vídeo acima, The Most Unknown - Nine Scientists Meet for the First Time / O MAIS DESCONHECIDO: Nove Cientistas Encontram-se Pela Primeira Vez (tradução livre do blog), que assisti no streaming Netflix e encontrei na íntegra no YouTube (ativem legendas e tradução), e trata-se de um monumental, genial e épico documentário, de Ian Cheney, com duração de 132 minutos, que reuniu 9 cientistas das mais variadas e complexas áreas do conhecimento humano para conversar entre si, tipo um revezamento, tentando explicar ao outro um pouco de sua área de pesquisa e atuação, como: microbiologia, neurociências, geobiologia, psicologia cognitiva, física quântica, astrobiologia, astrofísica, físico de partículas e ecobiologia.
Inicia com uma microbiologista conversando com um físico de partículas tentando explicar um ao outro suas áreas, vendo coisas em comum, como o termo "massa escura". Ambos veem o mundo ao seu modo, mas cada qual, em algum momento, precisa valer de recursos da linguística (analogia), da literatura (metáfora) e da filosofia (reflexões abrangentes) para descrever seu campo de atuação de forma inteligível para o outro. Os dois se encontram num laboratório sofisticado, no subsolo, para evitar radiação de prótons e elétrons do universo, fato que me lembrou poesia e filosofia pura a partir dos diálogos entre ambos... Ele, o físico de partículas, diz que estavam num "silêncio cósmico" e ela, a microbiologista, comenta que os cientistas tentam com suas lanternas colocar luz na escuridão. Algo que me fez, de forma intertextual, lembrar automaticamente naquele momento de "Gaia Ciência" e "Assim Falou Zarathustra!", de Friedrich Nietzsche. Pura metáfora, poesia e filosofia que não cessa por aí, e se assim o fizesse, já era fabuloso.
Mas esses "encontros consonantais" entre 9 cientistas segue, sendo que o segundo, recebe um terceiro, uma psicóloga cognitiva que estuda os elementos da consciência que depois irá se revezar com um neurocientista que estuda a autoconsciência, num movimento duplo: interno e externo, que se repete em cada encontro. Quando um astrobiólogo se encontra com um astrofísico, fica mais evidenciado esse diálogo entre quem estuda a terra e os micro-organismos com o que pesquisa o céu, as estrelas e o universo. A analogia entre o espaço, massa escura, logo me remete a questão da neurociências e a massa escura da inconsciência. O astrofísico que estuda a formação das estrelas, troca a noite pelo dia, pois diferente de outras áreas, ele precisa da escuridão do céu, da noite para concluir sue trabalho e o sol, nesse caso, atrapalha... A astrobióloga convida o astrofísico para conhecer uma ilha e um vulcão em erupção, pois pra ela é como ir ao espaço e conhecer um pouco a origem das estrelas. Algo poético e filosófica também. O micro e o macrocosmos estão interligados, como dois espelhos em escalas diferentes.
Com a geobiologia e a ecobiologia acontecem fenômeno semelhante entre esses diálogos quase platônicos, em pleno século XXI. Algo que me remeteu ao livro "O Visível e o Invisível", de Merlau-Ponty, sobre o que vemos e cremos, e sobre o que não enxergamos e é para nós desconhecido, que tem muito a ver com o conceito de "massa escura", "buraco negro" etc. Então, algo fabuloso acontece: os dois cientistas fazem pequena expedição de submarino à escuridão do mar, ao fundo do oceano, como uma pequena cápsula espacial, que me lembras os escritos de Júlio Verne: "20 Mil Léguas Submarinas" e "Da Terra à Lua". Lá no fundo, veem estrelas... mas do mar... A pequena esfera lembra o submarino Nautilus, sem o Capitão Nemo, logicamente.
Mais adiante, surge um físico quântico dizendo que se sente meio que dentro do filme "Intertestelar" e os conceitos da mecânica quântica, de levar luz à escuridão. Seu laboratório o próprio comenta, possui diversas entropias [função de estado cuja variação infinitesimal é igual à razão entre o calor infinitesimal trocado com meio externo e a temperatura absoluta do sistema, vide Wikipedia]. O físico usa câmeras de vácuo e luz, num formato de pêndulo e construiu um relógio atômico mais preciso do mundo para poder calcular a idade do universo. Um incrível laboratório que tem seus dados de pesquisa acessados numa quantidade impressionante, tanto quanto o buscador do Google, com bilhões de acessos diários. O físico diz algo que me remeteu imediatamente às "Confissões" de Santo Agostinho, sobre o paradoxo: "Não sabemos filosoficamente o que é o tempo, mas podemos medi-lo"; o que é algo intertextual com a fala do teólogo da filosofia Patrística: "Que é, pois, o Tempo? Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se me perguntam, e quero explicar, não sei mais nada".
Do mesmo modo, lembrei de "A Máquina do Tempo", de H. G. Wells, enquanto o físico falava de matéria escura, energia escura, buraco negro etc.
A neurocientista faz também esse movimento entre o micro e o macrocosmos ao pesquisar as imagens do cérebro e tratar do tempo psicológico que é bem diverso do tempo cronológico dos relógios atômicos. A neurociência também estuda a percepção do tempo, filmando o cérebro do físico quântico, colocando sensores do tempo em sua cabeça. E lembrei dos "censores" do tempo da ditadura militar e o filme Agentes do tempo. A neurocientista brinca com o físico, ao dizer que o homem que construiu o relógio mais preciso do mundo, não tinha a percepção correta das imagens que lhe colocaram à frente dos olhos, pois não sabia medir, calcular o tempo psicológico. E logo me veio à mente a nave USS Enterprise, comandada pelo capitão Kirk, com apoio do Senhor Spock, Senhor Sulu, Checov, Tenente Uhura, o médico McCoy, o engenheiro Scott e aquela equipe multidisciplinar, que nem os 9 cientista desse fabuloso documentário, indo onde nenhum homem jamais esteve, nessa jornada entre as estrelas do céu e as do mar... Uma jornada do conhecimento cumulativo da Humanidade que fez os humanos chegarem às estrelas e ao interior da terra, dominar os mares, as terras e os ares.
Por fim, aparece a psicóloga cognitiva, falando sobre a cognição humana e um turbilhão de ideias me veio à mente, quando ela vai a uma ilha onde são realizadas pesquisas sobre o conhecimento com primatas, mais especificamente macacos. Lembro primeiro de A Caverna de Platão, em que vemos sombras e não imagens, e isso remete às cavernas reais e ao próprio universo infinito e tão desconhecido ainda, tanto quanto o fundo dos mares. Mas também lembrei de a ilha de José Saramago, em que dizia que para ver a ilha é preciso air da própria ilha. Nesse caso, em sentido inverso: pra pesquisar o conhecimento é preciso ficar ilhado. A ilha dos macacos, em Porto Rico, me lembrou o filme "O Planeta dos Macacos". E a questão que a psicóloga cognitiva fala sobre o ver e o não ver dos macacos, e também os humanos, que influenciam o conhecimento de mundo me trouxe de novo "O Visível e o Invisível", de Merlau-Ponty. A psicóloga diz que ser cientista é lidar com incertezas, pensar de outra forma e dali retornar ao início, fechando o círculo de encontros e revezamentos, ao visitar a microbiologista que iniciou o documentário, e pra variar, lembrei do clássico "O Tempo e o Vento", de Erico Verissimo, que conta a história de uma família e do Estado do Rio Grande do Sul, em tom épico, por duzentos anos, sendo que ao final do mesmo, descobrimos que quem narra a história é a personagem que iniciou contando a história da própria família, um descendente, remontando o quebra-cabeças e árvore genealógica, entrelaçada com a história de seu Estado: o microcosmos e o macrocosmos na literatura. Erico Verissimo se espelha em sua família e estado pra contar essa história num movimento de pêndulo, finalizando a trilogia com sete volumes, com a mesma frase que iniciara aquela epopeia familiar.
Enfim, "The Most Unknown" é um documentário em tons épicos, reunindo 9 cientistas que como num círculo se revezando, um entrevistando o outro, até que o círculo se fecha com o retorno à primeira das entrevistadas, nessa viagem científica entre o tempo e o vento... Mais que isso, esses "diálogos platônicos" nos fazem perceber muitas coisas em comum entre as diversas áreas científicas e elas se expressando muitas vezes por meio de instrumentos literário e filosóficos para poder tornar inteligível a leigos ou para não especialistas na área, que precisam valer-se de figuras de linguagem, por meio de analogias e metáforas. Muitas vezes, lembrei também de Carl Sagan a divulgação e popularização das ciências em geral, com sua série Cosmos e de Jacques Costeau, que formaram meu pensamento juvenil. Essa mistura de ciências com literatura com filosofia, Carl Sagan fez com maestria em sua "O Romance da Ciência" e "O Mundo Assombrado pelos Demônios: A Ciência Vista Como Uma Vela No Escuro" e "Pálido ponto azul: uma visão do futuro da humanidade no espaço" e "Os Dragões do Éden", entre outros livros e programas de TV, nos anos 1970, 80 e 90.
Um documentário que é possível de ser assistido na íntegra, nos links abaixo, na Netflix e no YouTube (ativem legendas e tradução), assim como na janela, no alto desta postagem, em meu blog educacional, e que todo educador - seja pai ou professor - do século XXI e seus filhos e alunos devem assistir, de preferência juntos, para debater ao final as inter-relações, intertextualidades, interdisciplinaridades, interdiscursividades e multidisciplinaridades...
THE MOST UNKNOWN - NETFLIX
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Já tinha anotado para ver, agora fiquei com mais vontade ainda! Que descrição preciosa!
ResponderExcluirOi, Elenara, foi incrível, em plena madrugada, vendo e anotando tudo, encantado com as relações entre áreas tão diversas que se comunicam. Um abraço!
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